Um Salão para chamar de seu!

Por Neide Diniz – Repórter Reafro

Identidade. Autoestima. Resistência! Palavras que norteiam o trabalho de Cássia Marinho, que há mais 17 anos cuida das belezas negras do Rio de Janeiro. Isso mesmo, no plural! Justamente para destacar a mensagem de diversidade e ao mesmo tempo, de valorização do perfil étnico-racial. A expressão que batiza o nome do empreendimento de Cássia, Iporinchê Salão de Belezas Negras, também sugere o conceito de inclusão e coletividade. É como se fosse um convite para a quebra de paradigmas estéticos. “Já somos conhecidos como o quilombo da Tijuca, porque quem entra aqui, é acolhido e tem a experiência de ser reconhecido como belo”, afirma Cássia. Em seguida, associa o seu trabalho a uma Ação Afirmativa. E reforça: “pode soar como clichê, mas é necessário ir além da aparência e fortalecer a nossa relação com o espelho”.

Cássia Marinho é só sorrisos com o Prêmio Sebrae Mulheres de Negócios – 2017

Como especialista da área, desde o início de sua carreira, Cássia se preocupa e estuda os aspectos culturais, biológicos e psicológicos que desenham a identidade capilar. Ou seja, que cada fio tem a sua espessura, textura, cor, tamanho e história. E mais, estão permeado por questões que passam pela necessidade higiênica e fisiológica de cuidar e cortar os cabelos; pelo social, que dita tendências e padrões socioeconômicos e até pelo status; que dependendo do valor elevado do penteado – um alongamento de cabelo humano até o quadril, por exemplo – pode indicar alto poder aquisitivo. Sendo assim, o cabelo faz parte de um complexo sistema de linguagem. E, principalmente para as mulheres, é um forte traço da personalidade. Por isso, Cássia, antes de iniciar o atendimento, prioriza sentir o cabelo. “Gosto de tocá-lo, massageá-lo e sobretudo, elogiá-lo. Acredito na importância de mostrar que o nosso cabelo possibilita inúmeros penteados e que é lindo!”, fala com muita empolgação, ao mesmo tempo que demonstra tocando suas próprias madeixas.

Cássia é uma figura alegre, colorida e atuante em ações que contribuem para o empoderamento da comunidade negra. Suas preocupações como afroempreendedora vão além do comercial, também estão atreladas ao estímulo profissional, em especial, para mulher negra avançar na sociedade. Para isso, lança mão de algumas estratégias de mobilização. Periodicamente realiza rodas de conversas, exposições e venda de livros. A parceria com uma livraria especializada em literatura afro, oferece títulos de cultura e história da África, assim como outros temas sobre a negritude brasileira. E há dois, Cássia resolveu criar um calendário, “são as mulheres do Iporinchê homenageando outras mulheres”, explica. “Causa um frisson entre as clientes, todas querem ser selecionadas. Temos um critério bem variado, mas geral, consideramos muito antiguidade e frequência”, relata.

Para quem estampa as páginas do calendário é uma alegria indescritível, “a gente se sente fortalecida”, diz a homenageada do mês de dezembro e também cliente, Nanci Rosa, Vice-Presidente do Departamento Cultural e Artístico do Renascença Clube. Ela conta que conheceu o salão há dois anos, por intermédio da escritora Lia Vieira e se apaixonou. “Cássia tem um sorriso contagiante, ela cuida do nosso exterior e interior, embeleza até o nosso emocional”, relata Nanci com muita veemência. Ela comenta que Cássia costuma dizer que não tem clientes, tem amigos. “Concordo plenamente com ela, no salão sentimos que estamos em casa!”, disse Nanci. Que recentemente recomendou o salão à Sônia Oliveira, neta da saudosa Vovó Maria – uma referência da cultura afro carioca. E já, no primeiro encontro com Cássia disse que certamente serão grandes amigas. “O salão tem uma energia muito boa. É um espaço lindo! Realmente, me senti muito bem acolhida, estou muito feliz!”, revelou Sônia em vídeo para as redes sociais da Cássia.

Cássia Marinho e Jefferson Américo, uma parceria de quase dois anos.

Durante sua trajetória, um ponto chama muito a atenção de Cássia: a carência de profissionais especializados em cabelo crespo no mercado. Desde seu primeiro curso de cabeleireira, em 1999, Cássia busca aprimorar seu conhecimento. E, em suas formações como, em Tecnólogo em Beleza e Estética e Imagem Pessoal e Pós-graduação em Cosmetologia Aplicada – apenas para citar algumas – teve que desbravar árduos caminhos para estudar a fundo o fio crespo. Para ela, “as escolas ainda estão defasadas no que se refere ao tratamento capilar para a população negra e isso implica diretamente na mão de obra”. E sentencia: “já que somos 54% dos brasileiros e a capacitação ainda prioriza o cabelo do branco, significa que ainda vivemos a herança de um mercado racista”. E por isso, pensando em oferecer produtos com princípios ativos específicos para cabelos negroides, desenvolveu sua própria linha. Em 2010, iniciou as primeiras pesquisas e hoje, tem a credencial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para venda e comercialização.

Esta conquista entra para o rol de vitórias de Cássia Marinho, que na última semana de agosto foi agraciada com o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios. A premiação é uma iniciativa do Sebrae Nacional em parceria com a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República: a ONG Business and Professional Woman (BPW) e a Fundação Nacional da Qualidade (FNQ). O prêmio vem coroar o talento e a coragem de quem vem vendeu o apartamento e o carro para investir num sonho e hoje tornou-se inspiração para afroempreendedoras do Brasil e quiçá, do mundo. “Realmente fiquei muito sensibilizada, este prêmio não é só meu, é de todas as mulheres negras, que assim como eu, lutam para empreender. Muito obrigada minhas divas, meus negros gatos, minha família, meu marido e minha legião de amigos, esta vitória é nossa!”.

Iporinchê em Cachos, Tranças e História

 

A proprietária do Iporinchê Salão de Belezas Negras, Cássia Marinho, começou a dedicar-se ao mundo da beleza por acaso. “Comecei a fazer curso de maquiagem e cabelo para me distrair, com o tempo fui me apaixonando pela profissão”, relembra. Ela também conta, que na época ficou em dúvida entre fotografia (o investimento em equipamento era alto), decoração (o valor do curso era o mais caro) e maquiagem (o mais acessível financeiramente). No entanto, não era o mais rentável em curto prazo e, por um aconselhamento de uma jovem, em seguida, optou por depilação para ganhar dinheiro mais rápido. E, com os recursos oriundos com a depilação, passou para os cursos de cabeleireira, sua maior paixão. Iniciou sua clientela com o serviço que nomeou de “personal beauty”, quando fazia atendimento personalizado nas residências. Com o aumento da demanda, abriu seu primeiro salão de rua em sociedade com a mãe, mas por questões pessoais, precisou ir para espaço onde atende hoje. E já se vão nove anos!

As clientes Nanci Rosa e Sônia Oliveira sentem-se acolhidas no Iporinchê. (Fotos Facebook)

O serviço, mais procurado no salão hoje é o corte. Motivo? Transição capilar, tendência do momento para retirar a química do cabelo e usá-lo em seu estado original. “É um barato, as pessoas estão redescobrindo seus cabelos e aprendendo que ele tem forma, estilo e beleza”, enfatiza Cássia. O salão, porém, oferece outras opções: hidratação, coloração, relaxamento, permanente, penteados para festa, maquiagem e uma gama de estilos de trança. Ela não abre não do atendimento personalizado porque acredita ser o diferencial do seu trabalho. “Fui frequentadora do Afro Dai e ali aprendi a gostar mais de mim, é uma inspiração”, cita o salão considerado referência no ramo da beleza e de ativismo negro, para destacar o poder transformador da autoestima. O Afro Dai, deixou de existir depois que sua proprietária, a baiana Idalice Bastos, Dai, adoeceu e faleceu. “No Iporinchê cada dia me sinto mais preta, mais feliz! Quero que esta harmonia entre minha imagem e espelho contagie cada um que entra e sai do meu salão”, arremata Cássia.

Curiosidade

IPORINCHÊ, é uma forma aportuguesada da aglutinação de três expressões africanas que são: “IPO” = lugar, “ORI” = cabeça, e N’SE “= fazer. Significa “lugar de fazer a cabeça”. Mas para facilitar a pronúncia, adotou-se o CHÊ no final da palavra.

Iporinchê Salão de Belezas Negras fica na Rua General Roca, 913 sala 706 – Tijuca – Rio de Janeiro – (21) 2572-2850 – Atendimento com hora marcada. Cássia Marinho é uma afroempreendedora parceira da Reafro.

 

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